segunda-feira, 27 de julho de 2009

Barrancos e o Contrabando


Histórias de contrabando para lá de qualquer fronteira

O contrabando, enquanto actividade ilícita aos olhos dos poderes instituídos, é um fenómeno milenar. No entanto, o pequeno contrabando teve nestas terras raianas um papel fundamental na coesão das comunidades e na melhoria das condições de vida destas populações.Miguel Rego
O Concelho de Barrancos é uma região de fronteira. A Norte toca a Extremadura. A Leste e a Sul a Andaluzia, regiões da vizinha Espanha. E esta especificidade de terra raiana assume um maior significado se pensarmos que é também aqui que passa o limite entre o Alto e o Baixo Alentejo. Esta realidade e o facto do concelho assentar as suas origens em povoadores vindos do país vizinho, representa indiscutivelmente um fenómeno indispensável para compreender a história recente destas terras e, em particular, alguns episódios importantes que têm a Herdade da Coitadinha como palco.
O contrabando, enquanto actividade ilícita aos olhos dos poderes instituídos, é um fenómeno milenar. Tem a idade das fronteiras políticas e administrativas, e foi desde as suas origens um elemento importante para o desenvolvimento económico de algumas micro-estruturas sociais e humanas. Assim como um factor de criação de novos pretextos para o reforço do poder militar de alguns pequenos (e grandes) senhores, em períodos históricos mais recuados. Mas o conceito de contrabando, de pequeno contrabando, tem nestas terras raianas um papel fundamental na coesão das comunidades e na melhoria das condições de vida destas populações. De comunidades que têm a ligá-las muitas vezes profundas raízes familiares.
O fenómeno generalizado de contrabando tem aqui início com a guerra civil de Espanha (1936-1939). O país vizinho passa por um período terrível, cujas feridas vão durar muitos anos a sarar. Saído dum esforço de guerra terrífico que esvaziou os cofres do Estado, vê toda a sua máquina económica e financeira muito debilitada. Entretanto, o início da II Guerra Mundial vem aprofundar ainda mais as dificuldades que invadem a Península Ibérica e, em particular, a Espanha. Nestas regiões mais de interior, faltam os bens essenciais como a farinha, o arroz, o azeite, o açúcar… Na falta de dinheiro a procura dos meios de subsistência promove a troca directa e, ainda antes do grande período em que o café é o produto mais importante para o “comércio de fronteira”, todos os produtos complementam as necessidades de umas e outras populações.
Da zona de Oliva de la Frontera, chegavam sardinhas e laranjas a estas terras da Coitadinha e levavam-se ovos… Outras vezes chegavam alhos ou outros produtos hortícolas em troca de meia dúzia de gramas de café ou açúcar.
De Zafra, Valencita (Valência del Mombuey), Fregenal de la Sierra ou Oliva de la Frontera, nos períodos de pós-guerra, chegavam gentes à procura de uma maior abundância de bens que escasseavam do lado de lá. Mas também os tempos da guerra aqui se faziam sentir e, os produtos racionados, dificultavam as trocas que se queriam céleres para bem das duas comunidades. Levava-se arroz, farinha, açúcar, café… acima de tudo produtos de primeira necessidade. Traziam-se, entre outros, licores, alparcatas, vestuário de senhora, lingerie…
O fim da II Guerra Mundial e a recuperação económica que do lado de Espanha se começava a fazer sentir vem alterar, profundamente, as relações sociais e económicas das populações de fronteira e modificar o tipo de produtos que então se trocavam. É nesta altura que o café, oriundo dos países africanos colonizados por Portugal e de preços extraordinariamente mais baixos, assume um papel fundamental nos passos dos contrabandistas. Primeiro o pequeno contrabandista que leva uma carga de café para trazer bens de primeira necessidade para a sua família. Depois algumas fazendas, o enxoval dos filhos ou algumas coisas para a casa… Começam então a aparecerem os grandes “comerciantes” que contratavam grupos de dez, vinte, trinta, às vezes sessenta homens, para irem “ao outro lado” com café. Cada um levava em média 25 quilos e as viagens duravam, às vezes, duas, três, quatro noites e cada homem ganhava o mesmo numa noite que durante uma semana nos trabalhos do campo.
É um contrabando de subsistência que ajudava a enganar os tempos de miséria e privações que marcavam os anos cinquenta, sessenta e setenta. Mesmo sem dinheiro, aqueles que se dedicavam ao contrabando do café encontravam sempre um comerciante que lhes fiava as cargas. Homens, ou mulheres, que depois do trabalho na mina ou no campo iam enganando a noite levando uma carga de café a Encinasola, Oliva ou Valencita.
O território da Coitadinha assume então uma função ainda mais importante neste comércio dada a sua proximidade a algumas povoações espanholas. Menos de 10 quilómetros a Oliva e Valencita. Pouco mais de vinte a Fregenal e Jerez. Paralelamente, é uma zona onde os vales da ribeira do Ardila funcionam quase como via de inter-penetração e movimentação dos grupos de homens que se aventuravam, noite fora, com a mochila às costas. A fraca densidade populacional da zona ajudava na passagem clandestina que tão necessária era para levar a encomenda a bom porto.
Talvez por isso a Guarda-fiscal instala um dos seus postos mais importantes nas “Russianas”, limitando desta forma os caminhos e os destinos dos contrabandistas que procuravam uma sorte diferente carregando café. Uma carga que, mais não seja, trocada por pesetas dava para “fazer” as festas e romarias do outro lado da fronteira.
in

Sem comentários:

Enviar um comentário