segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nave de Haver - Histórias de contrabandistas e guarda fiscais


Um contrabandista tinha de saber mais que um advogado

O contrabando faz parte da história da raia. Mais do que uma questão de subsistência, a actividade tornou-se uma paixão sobretudo a de enganar os guardas fiscais. Em Nave de Haver, Manuel Aires de 71 anos de idade recorda com saudades o tempo em que atravessava a fronteira para trazer de Espanha tabaco, roupa interior feminina e medicamentos.A existência das guaritas ao longo da linha de fronteira entre Portugal e Espanha, nomeadamente junto a Vilar Formoso, está intimamente ligada com a actividade do contrabando. Construídas sob a égide do Estado Novo, as guaritas foram erguidas com o propósito de acolher os guardas fiscais que tentavam impedir a fraude as trocas comerciais à margem da fiscalização aduaneira. Mas o contrabando, para além de ser um dos poucos meios de subsistência de uma região desfavorecida, tornou-se uma verdadeira paixão. A arte de enganar os carabineiros espanhóis e os guardas fiscais. Não há na zona da raia, terra em que não se recordem histórias de contrabando. Umas com o final mais feliz e outras menos. Em Nave de Haver, no concelho de Almeida e a poucos quilómetros da fronteira com a Espanha, os tempos de contrabando é recordado com frequência no café de Manuel João Aires. Hoje com 71 anos de idade, diz ter muitas saudades do tempo em que se escondia dos guardas para puder trazer para Portugal tabaco, roupa interior de senhora, entre outros produtos. Para Espanha levava pimenta, canela, fazendas, café e tripa seca.Manuel Aires dedicou-se ao contrabando até por volta dos 60 anos. Quando começou já não se recorda mas sabe que por volta dos 10 anos já dava uma "mãozinha" ao seu pai.Cada contrabandista, diz, tinha o seu «sistema» não só para enganar os guardas fiscais, como também ludibriar os «bufos». Assim eram chamadas aquelas pessoas que denunciavam os contrabandistas e sobre os quais recaía alguma desconfiança. Citando um amigo, Manuel Aires diz que um contrabandista tinha de «saber mais do que um advogado». Mas este «saber» não chega. Manuel Aires diz que o contrabandista não é a figura que as pessoas vêm: «Há os comodistas e os contrabandistas». Um contrabandista, defende, tinha de ser um homem dos «pés à cabeça».E por falar em verdadeiros contrabandistas, Manuel Aires recusa-se a considerar como tais os habitantes de Quadrazais, uma aldeia fronteiriça mas já do concelho do Sabugal. É que, segundo conta, os habitantes daquela localidade vendiam apenas aquilo que os contrabandistas traziam de Espanha. Mas havia excepções. Muitas vezes a mercadoria era encomendada directamente a Manuel Aires, nomeadamente medicamentos: «Era eu que fornecia a Drogaria Ferrinho e ex-Sanatório».«Nunca fui preso»Manuel Aires nunca foi preso, mas em determinadas alturas chegou a temer o pior. No repertório das vividas, Manuel Aires recorda um episódio no norte de Portugal e que ainda hoje lhe «põe os cabelos em pé». Manuel Aires tentava entrar em Portugal com outro colega pela fronteira de Chaves. Transportavam 22 caixas de tabaco americano num automóvel de marca Mercedes e preparavam-se para descer uma serra quando se depararam com uma fila de camiões. Foram obrigados a parar e um guarda aproxima-se do automóvel que ao desconfiar mete a mão pela janela e apalpa as caixas. Certos de que o guarda já identificara o seu propósito, não pensam duas vezes e põe-se em fuga. O guarda ainda disparou alguns tiros, mas conseguiram escapar. A caía com abundância e foram obrigados a recolher-se numa casa sem que tivessem conseguido pregar olho com o medo que viesse a inspecção. No dia seguinte tentaram seguir pela linha de caminho-de-ferro, mas a altura da neve não permitiu mais do que em duas ao demorarem duas horas a percorrer quatro quilómetros foram obrigados a desistir. «Deixámos o carro e a mercadoria no local. Só queríamos escapar à prisão e salvar a vida».O pátio dos contrabandistasA aldeia de Naver de Haver, lugar onde Manuel Aires nasceu e viveu toda a vida, é pródiga em histórias de contrabando. Ou não fosse esta terra um dos lugares preferidos para o convívio entre contrabandistas. Havia mesmo uma taberna «muito famosa» onde os contrabandistas passavam a tarde, comiam e combinavam as estratégias a adoptar durante a travessia da fronteira. «Comia-se um bocado de pão e bacalhau seco, bebiam-se uns copos e jogava-se a arraiola para passar o tempo», recorda Manuel Aires. Actualmente o espaço é alvo de alguma curiosidade, pois o filho da proprietária decidiu atribuir-lhe o nome de "Pátio dos Contrabandistas".A singularidade de Nave de Haver na actividade do contrabando, define-se ainda pela participação activa das mulheres. Manuel Aires recorda que elas também atravessam a fronteira clandestinamente e que também o faziam com êxito. Recorda mesmo o caso de uma senhora idosa que conseguiu enganar os guardas de uma maneira astuta. Envolta no seu xaile preto, a senhora terá pedido ao guarda num tom choroso que a deixasse ir comprar um pãozinho. Piedoso e convencido que estaria a praticar uma boa acção, o guarda deixou passar a senhora que no interior da sua roupa transportava dezenas de contos.
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