domingo, 5 de dezembro de 2010

Palavras finais ao serviço da GF proferidas pelo Sr. Major Infante no Batalhão 2, Évora, a 30SET1993


Meu Comandante, Colegas, Amigos,

Vou centrar as minhas palavras e procurar captar a vossa atenção para
três pontos, aproveitando a oportunidade última ao serviço da Guarda
Fiscal.
1º Ponto : O MEU CONTENTAMENTO DESCONTENTE
Permiti-me parafrasear o nosso Épico mas ele mais do que ninguém soube
transmitir aos Portugueses as suas mágoas, a sua tristeza, a realidade
do Portugal de então. Longe de mim querer equiparar-me a tão grande génio
mas como ele espero saber transmitir-vos e é com pesar que o
faço,algumas peripécias ocorridas nesta Guarda Fiscal atribulada.
Vou reportar-me ao após 1968/69. Não vou citar nomes mas tão somente
avivar pinceladas que ficaram bem gravadas na feitura do actual
retrato da Guarda Fiscal.
De uma maneira ou de outra, uns com mais responsabilidades que outros,
fomos artistas activos na pintura desse quadro e não podemos
eximir-nos dessa responsabilidade contudo se tivessemos sido bons
"Picassos " teríamos decerto saído airosamente igualados na luta
porque podíamos ter mudado o rumo aos acontecimentos.
É, pois , com profunda mágoa que após 25 anos de entrega do melhor da
nossa vida à Instituição que nos propusemos servir, assistimos agora e
sentimos que se está a esvair na indefinição, na dúvida de um futuro
incerto e vemo-la afundar-se num mar que irá decerto tragar as nossas
últimas esperanças.
Não quero ser pessimista mas tudo indica que não ser fáceis os caminhos
de mudança na vida de cada um de nós. Mas regressemos uns anos atrás e
vejamos embora a traços largos algumas " proezas " que conduziram ao
funeral deste Corpo Militar centenário mas desprestigiado e aviltado
nas suas raízes e nos seus homens.
Aceitamos a evolução, as novas técnicas, as exigências dum mundo
moderno mas não poderemos aceitar a maneira que apelido de leviana e
de segundas intenções como foi conduzida a problemática da extinção da
Guarda Fiscal.
Adivinhava-se, sentia-se que havia alguém preocupado em destruir uma
obra que tantos no decorrer de mais de cem anos edificaram com suor e
lágrimas mas sempre sorrindo, acreditando num futuro melhor.
A obra ruíu, não teve futuro minaram-lhe os alicerces, caíu mas caíu
de pé porque os homens que a edificaram continuam com a chama acesa do
passado que jamais esquecerão.
Lembro um Comandante-Geral que já não pertence ao reino dos vivos que
muito fez pela Guarda Fiscal e a quem os Oficiais sobremaneira devem
estar gratos. Quantas voltas não terá já dado no seu túmulo,
sumindo-se nas tábuas carcomidas, face às dolorosas etapas de um
delapidar de história inacreditável.
Quem não se lembra também de um General, embora não das minhas graças,
mas aqui lhe presto a minha homenagem por ter sabido manter firme a
chama da nossa Missão, não permitindo que as fronteiras do País
seguissem o rumo do Serviço de Estrangeiros ? Aqui já um aviso que
conduziria à derrocada. Esta foi a primeira arremetida do adversário
mas o cavar da sepultura, palmo a palmo, teve o seu início naquelas
célebres palavras proferidas na Comunicação Social pelo
Comandante-Geral de então dizendo aos quatro ventos que os militares
que comandava não passavam de uns corruptos. Fomos enxovalhados,
tomou-se a parte pelo todo. Sabíamos que os homens da Guarda Fiscal
como de qualquer outra Instituição, civil ou militar, não passa ao
lado do lucro fácil porque todos sabemos que a carne é fraca e todos
temos telhados de vidro. Todavia creio que foram palavras muito duras,
infelizes ditas por um Chefe apregoando muito convicto que os seus
subordinados eram homens a abater porque eram desonestos.
Fomos originais no Comandante que tivemos, porque fomos vilipendiados
no destino que nos foi traçado - a derrota total. Daí o apelido de "
coveiro da Guarda Fiscal ".
Por todo o lado começou a pairar o descontentamento. O mal estar e as
medidas de afrontamento continuaram e as esperanças de sobrevivência
tornaram-se, no dia a dia, cada vez mais ténues. O nosso futuro estava
em jogo mas nunca ninguém teve a coragem de vir a terreiro enfrentar a
realidade e dizer não ao fim que se avizinhava.. Culpo-me a mim também
mas não posso perdoar àqueles oficiais que sempre estiveram junto do
poder de decisão num tú cá , tú lá ,nada terem feito de palpável para
se evitar o descalabro porque eles sabiam, estavam a par da rota
planeada.
Conhecidas que foram as primeiras medidas adversas o marasmo tomou
conta das nossas mentes, contagiou a nossa vontade de lutar. Lembro
alguém dizer :Que se passa com a Guarda Fiscal ? A GNR discordou, a
Polícia manifestou-se mas a Guarda Fiscal nada fez, nada disse que
pudesse contribuir para o volte-face difícil mas não impossível. Não
nos unimos, não demos as mãos e o score de resultados tocou a raia do
negativismo.
Serviços Sociais, emolumentos, tanta promessa bonita que não foi
cumprida, tanto dinheiro que nos foi sacado mês a mês, tantos imóveis
que foram erguidos com as migalhas do nosso suor, tanto dinheiro que
rendeu dinheiro... Tudo isto, tudo quanto era dos seus
beneficiários-contribuintes foi entregue, de mão beijada, indo
enriquecer um Património alheio em vez de, em tempo oportuno, ter
contribuido para o bem estar de todos os militares que agora se sentem
espoliados duma herança que por direito de Estatuto e moralmente lhes
pertencia.
Até o S.Mateus nos "roubaram".Também entrou na voragem dos tempos e
estou convencido que lá dos altos céus ou das peanhas dos tronos
existentes nos diversos do Minho ao Algarve, dos Açores ou da Madeira,
sente-se envergonhado por ter sido desprovido das honras que ano a ano
lhe eram prestadas. Conseguiram calar a tradição secular, de raízes
históricas, das paradas dos Jerónimos.
Não haja dúvidas de que os anos de 1992 e 1993 são mesmo para esquecer
porque "consumatum est". Tudo acabou.

2º PONTO : AOS QUE FICAM
Começarei por desejar os melhores votos de sucesso na vossa nova etapa
de vida que breve ireis encetar.Não vai ser fácil aceitarem-se
decisões de que bem lá no fundo se discorda.
Alguns irão continuar vestindo novas roupagens no intuito de outros
voos e estou certo que todos saberão aceitar as novas regras de jogo e
cumprir com brilho as tarefas que lhes forem cometidas. Permiti-me
contudo que vos alerte e vos diga que é tempo de não pensardes no
singular, no eu de cada um. Pensai , falai e agi no plural e atentai
na plavra nós porque só assim, em união, em comunhão de desejos
podereis vencer, de contrário ganhareis batalhas mas perdereis a
guerra. Aqui a razão desta nossa guerra perdida...Outrossim lembrai
que além de militares e acima de tudo sois humanos com altos e baixos.
Os que comandarem dignifiquem-se com posições assumidas, bem ponderadas
nunca desprestigiando os subordinados com atitudes negativas.
Esquecei, finalmente, os nossos erros, o bem que podíamos ter feito e
não fizemos e aproveitai por outro lado a faceta da nossa parte boa
mas, no fundo, e disso podeis ficar certos que todos demos quanto
podíamos dar.
Para vós pois, para vossas famílias, aqui ou em casa de cada um todo o melhor.

3º PONTO : AOS QUE PARTEM
Falando em terminologia estratégica chegámos ao " Dia D " . Cada um,
nas opções que lhe foram facultadas, escolheu a que melhor se
coadunava com os seus objectivos. Mas é certo que augurávamos que o
final da nossa carreira ficasse imbuído de outras nuances que nos
levassem a partir com satisfação de vermos a nossa obra continuada.
Tal não aconteceu. Partimos com o barco no fundo.
Vamos acomodarmo-nos à ideia de que pelo menos não vamos mudar de
indumentária, continuaremos a ser militares da Guarda Fiscal. Lá fora
faremos eco da nossa continuidade. Saudosismo ? Talvez realidade dos
factos.
Perante tudo quanto disse realço de facto o meu contentamento
descontente porque podíamos partir com honra continuando dentro do
mesmo barco, a remar naquelas águas bem conhecidas de todos nós mas
as ondas foram alterosas de mais e empurraram-nos para paragens
desconhecidas. Vamos enfrentar a realidade e alimentar a esperança de
que a tradição, o nosso historial não morra. No limiar da vida que
agora vamos abraçar saberemos estou certo defender as regras que nos
nortearam enquanto militares da Guarda Fiscal.
Obreiros que fomos vamos agora apostar firme na riqueza dos seus cem
anos oferecendo nos dias que nos restam a vontade de tudo fazer em
prol daqueles valores que aprendemos e queremos preservar.
Para todos vós o aceno da minha admiração e a minha disponibilidade
para tudo quanto possa dignificar a Guarda Fiscal que servimos.
Évora 30 de Setembro de 1993

Sem comentários:

Enviar um comentário